1. Em mais uma das suas "executive orders" ilegais, por contrárias a leis do Congresso, o Presidente Trump determinou a sujeição ao seu controlo das "agências reguladoras independentes", as quais, portanto vão deixar de o ser, passando a "agências executivas".
Nascidas nos Estados Unidos há quase um século, nos anos 30 do século passado (na imagem o selo da SEC, criada em 1934), elas constituíram a resposta à crise subsequente ao grande crash da bolsa de Nova York, de 1929, que revelou a falta da regulação pública das "falhas de mercado", desde logo no mercado de valores mobiliários (ações e obrigações) e na banca. Posteriormente, foram criadas agências reguladoras para outras atividades económicas, como as telecomunicações, as relações laborais, a energia, os seguros, a segurança dos produtos de consumo, a defesa da concorrência, entre outras.
A invenção das agências reguladoras independentes nos Estados Unidos inaugurou o moderno modelo de "Estado regulador", pondo fim ao "Estado abstencionista", de separação absoluta entre a economia e o Estado.
2. As razões para apostar na regulação independente dos mercados, afastando essa tarefa da esfera da administração executiva, sob controlo presidencial, foram essencialmente duas: (i) não sendo possível evitar a regulação pública, manter ao menos a separação entre a regulação económica, por um lado, e o governo e a política, por outro lado; e (ii) assegurar aos agentes económicos estabilidade e previsibilidade da atividade regulatória, visto que a independência das agências lhes garantia continuidade em caso de mudança de governo.
Apesar de não terem cobertura na Constituição e constituírem uma derrogação da unidade da administração federal sob direção do Presidente, as agências de regulação independentes foram validadas pelo Supremo Tribunal federal logo em 1936 e nunca foram postas em causa desde então, nem pelos Democratas, que as criaram, nem pelos Republicanos.
Resta saber se esta ofensiva de Trump, manifestamente ilegal, vai prevalecer no Congresso (onde há uma maioria Republicana em ambas as câmaras), ou se aquele não vai tentar fazer reverter o "precedente judicial" de 1936 no Supremo Tribunal (onde há uma confortável maioria republicana), declarando as agências reguladoras independentes como inconstitucionais. Aí, sim, estaria cosumada a contrarrevolução regulatória de Trump, que é parte da ofensiva "anarco-liberal" dos seus ideólogos contra o "Estado administrativo".
3. Essa reversão da regulação independente na sua pátria de origem é tanto mais surpreendente quanto é certo que as agências reguladoras independentes foram um dos principais artigos de exportação norte-americana no último meio século, após o esgotamento do modelo de "Estado intervencionista" que prevaleceu na Europa desde a I Guerra Mundial.
O triunfo quase universal da ecoomoia de mercado e do Estado regulador no último quartel do século passado determinou a importação do modelo das agências reguladoras independentes. Hoje em dia, serão poucos os países de economia de mercado onde não exista uma autoridade da concorrência e agências de regulação dos serviços financeiros (banca, seguros, valores mobiliários) e das utilities (energia, telecomunicações, transportes, etc.). Não deixa de constituir uma ironia o facto de os Estados Unidos se desfazerem de uma das suas mais virtuosas, e mais copiadas, invenções institucionais.
Decididamente, Trump está em processo de depredação do património institucional e cultural dos Estados Unidos. Esperemos que os governos trumpistas que vão aparecendo noutros países não lhe sigam as pisadas...